Os projetos estruturais que tratam da resistência ao fogo são baseados no fato de que as altas temperaturas decorrentes de um incêndio reduzem a resistência mecânica e a rigidez dos elementos estruturais da edificação, e, adicionalmente, promovem expansões térmicas diferenciais, podendo levar a estrutura ao colapso.

Neste sentido, pode-se considerar que as preocupações se segurança contra incêndio em uma edificação se referem a três objetivos fundamentais, que são, por ordem decrescente de importância:

1. A proteção das vidas dos ocupantes do edifício, bem como dos bombeiros que nele tenham de atuar em caso de sinistro;

2. A proteção dos bens existentes no edifício e das atividades que se desenvolvem no mesmo; A proteção do próprio edifício contra danos de incêndios que possam se deflagrar nele ou em edifícios vizinhos.

3. A segurança em caso de incêndio depende, principalmente, das condições de evacuação das pessoas e das condições para se evitar a propagação de fumos e gases, que são as causas principais das perdas de vidas humanas. As falhas estruturais têm importância muito menor neste aspecto, e somente tem caráter relevante quando podem ocasionar problemas para a evacuação das pessoas.

Quando um incêndio é deflagrado num edifício, a sua ação se faz sentir diretamente nos elementos estruturais que constituem o compartimento de incêndio e, indiretamente, em zonas mais ou menos afastadas deste. Toda a estrutura do edifício encontra-se sob a ação do peso próprio e sobrecargas de forma que, no início do incêndio, a mesma está submetida a um certo estado inicial de tensão e, portanto, a um determinado estado de deformação. A este estado inicial de tensão vem sobrepor-se um novo estado de tensão, resultante do aquecimento diferencial a que os elementos estruturais ficam submetidos. De fato, os vários elementos constituintes da estrutura de um edifício encontram-se mais ou menos rigidamente interligados e, quando alguns deles são mais aquecidos do que outros, as respectivas dilatações térmicas são restringidas, dando origem a um novo estado de tensão, variável no tempo, à medida que o incêndio se desenvolve. A sobreposição, deste estado de tensão com o estado de tensão inicial, dá origem a um estado de deformação, que é também variável no tempo.

Por outro lado, as propriedades mecânicas dos materiais que constituem os elementos estruturais, degradam-se com o aumento da temperatura. Isto significa, por exemplo, que um elemento sujeito a um estado de tensão que permaneça constante, poderá ter sua capacidade resistente esgotada ao fim de um certo período de tempo. A ação do incêndio não se faz sentir unicamente nos elementos diretamente sob a ação do fogo. Em certas situações, elementos relativamente afastados do compartimento de incêndio poderão ser os primeiros a entrar em colapso, em virtude do estado de tensão que as deformações de origem térmica da zona diretamente aquecida impõe ao resto da estrutura.

As medidas de segurança e proteção contra incêndio podem se classificar em ativas e passivas. As medidas ativas prevêem a existência de meios adequados à salvação das pessoas, começando pelo próprio projeto arquitetônico (corredores e escadas amplas, zonas limpas de fumos, etc.). Estas medidas também visam reduzir a probabilidade de ocorrência de incêndios severos, através da atuação em suas causas acidentais e da detecção de focos e limitações das possibilidades de propagação.

As medidas de proteção passivas visam reduzir a probabilidade de colapso estruturas sempre que ocorra um incêndio severo. Esta probabilidade depende da resistência ao fogo, a qual compreende três aspectos, ou seja, a capacidade resistente da estrutura, a sua integridade perante ao fogo e a sua capacidade de isolamento térmico e que devem ser observados para os vários elementos da construção. A capacidade resistente da estrututura vai depender fortemente do comportamento do material estrutural utilizado, ou seja, do grau de variação de suas propriedades físicas e mecânicas com a temperatura. É fato bem conhecido que os aços estruturais (assim como outros materiais) sofrem reduções progressivas em sua resistência mecânica quando submetidos a condições de trabalho em temperaturas superiores à ambiente. Neste sentido, a utilização na construção metálica, de aços menos sensíveis às altas temperaturas ou de mecanismos adequados, por exemplo, utilização de películas protetoras nos elementos estruturais, para a melhoria de sua capacidade de isolamento térmico, também constituem medidas de proteção passiva.

Quando os elementos estruturais principais de uma construção em aço são expostos a altas temperaturas, durante condições típicas de um incêndio, os mesmos podem ter a sua resistência mecânica reduzida a ponto de levar toda ou parte da construção a um colapso.
Estudos relativos à resistência ao fogo de construções metálicas iniciaram-se devido ao colapso de muitas edificações feitas com ferro fundido, durante o famoso incêndio em Chicago em 1871, no qual cerca de 17.000 prédios foram destruídos total ou parcialmente. Uma das grandes razões para a facilidade com que os prédios foram destruídos pelo incêndio foi que o ferro fundido, ao contrário do aço, contém maiores teores de carbono e, uma vez aquecido à temperaturas altas o suficiente e resfriado por água durante operações de combate ao fogo, exibe, com freqüência, trincas e fissuras.

As construções metálicas atuais em aço não são tão facilmente destruídas pelo fogo, entretanto, um dos pontos mais importantes nos projetos de construção civil é reduzir o risco de incêndio e, caso estes ocorram, aumentar o tempo de início de deformação da estrutura, conferindo, assim, maior segurança a estas construções [8]. Por isso, a legislação para construção civil de vários países estabelece exigências mínimas de resistência ao fogo para os componentes estruturais. Estas normas de segurança contra incêndios, em geral, levam em consideração uma temperatura crítica na qual o aço perde uma proporção significativa de sua resistência mecânica ou atinge um estado limite de deformações ou de tensões, ou seja, uma temperatura que represente uma condição de falha, que pode representar o colapso da estrutura. Usualmente, refere-se também a um tempo de resistência ao fogo, ou seja, ao tempo para que a temperatura crítica ou condição de falha seja alcançada.

Foram implementadas normas Brasileira NBR 14323 e NBR 14432 relativas ao dimensionamento de estruturas de aço em incêndios e às exigências de resistência ao fogo de elementos construtivos de edificações. De acordo com estas normas, o dimensionamento em situação de incêndio envolve a verificação dos elementos estruturais e suas ligações no que se refere à estabilidade e à resistência aos esforços solicitantes em temperatura elevada, a fim de se evitar o colapso da estrutura durante tempos de resistência ao fogo que variam de 1/2 a 2 horas, dependendo do tipo da edificação. A Figura 1 mostra os fatores de redução em temperatura elevada (relativos aos valores a 200C) previstos pela NBR 14323  para o limite de escoamento dos aços laminados a quente (ky,), o limite de escoamento dos aços trefilados (kyo,), e o módulo de elasticidade de todos os tipos de aço (kE, ).

 Valores dos fatores de redução para o limite de escoamento e o módulo de elasticidade do aço com a temperatura, como previstos pela NBR 14323 

A NBR 14323 ainda prevê que caso algum aço estrutural possua variação do limite de escoamento ou do módulo de elasticidade com a temperatura diferente da apresentada na figura 1, os valores próprios deste aço poderão ser utilizados.

Para se aumentar o tempo necessário para que a temperatura crítica seja alcançada, ou seja, para se aumentar o tempo de resistência ao fogo recorre-se, muitas vezes, à aplicação de materiais isolantes térmicos por sobre a superfície dos componentes estruturais. Alguns materiais utilizados como isolantes térmicos são, por exemplo, lã de rocha, revestimentos intumescentes, argamassas, placas, fibras minerais, etc.. A título de exemplo, assumindo um tempo de resistência ao fogo de 3 horas para um edifício de grande porte em aço estrutural comum, seria necessária uma camada de cerca de 50 mm de isolamento térmico na superfície dos elementos estruturais para que a temperatura nos mesmos não supere os 550oC naquele tempo7. Por outro lado, a utilização de materiais isolantes implica em alguns efeitos indesejáveis. A utilização da camada de isolamento térmico pode onerar em cerca de 10 a 30% o custo total da estrutura metálica utilizada, reduzindo a competitividade da construção metálica.

As Normas Brasileiras

Para que se possa verificar a segurança estrutural em situação de incêndio dos elementos estruturais de aço de uma edificação, é necessário conhecer a exigência de resistência ao fogo para cada tipo de elemento (viga, pilar, laje) conforme as normas vigentes no país. As Normas Brasileiras que tratam da segurança estrutural frente ao fogo foram aprovadas em 1999: NBR 14432 “Exigências de Resistência ao Fogo de Elementos Construtivos de Edificações – Procedimento” e NBR 14323 “Dimensionamento de Estruturas de Aço de Edifícios em Situação de Incêndio – Procedimento”. O desempenho requerido para os elementos de construção estrutural (concreto, madeira ou aço) ou de compartimentação prescritos na NBR 14432 trata de prevenir o colapso estrutural, tornando possível a retirada dos ocupantes, de reduzir os danos às propriedades vizinhas e permitir o rápido acesso do Corpo de Bombeiros.

A Norma fornece uma Tabela, resumida abaixo, com recomendações consagradas, fruto do consenso da sociedade, de tempos requeridos de resistência ao fogo (TRRF) sob o conceito de fogo padrão descrito na Norma ISO 834 [11]. De acordo com a elevação de temperatura dos gases do forno como descritos na ISO 834, BS476 e LPS1107, quando a Tabela propõe uma
resistência ao fogo de 30 minutos, significa que a estrutura deve permanecer estável quando a atmosfera ao seu redor estiver a aproximadamente 820oC, 1 hora significa 930oC e 2 horas 1030oC. Quanto maior a resistência requerida, maior a temperatura que a estrutura deve resistir.

A Norma aceita, como alternativa, o uso de qualquer método cientificamente confirmado ou normatizado, como o Método do Tempo Equivalente, a Análise de Risco como a proposta por Gretener ou métodos mais avançados de engenharia de incêndio.

À medida que o risco à vida humana é considerado maior, devido à ocupação, altura do edifício, etc., a exigência torna-se mais rigorosa e maior será o tempo requerido de resistência.

A Norma prevê ainda isenções, baseadas na pequena probabilidade da ocorrência de acidentes em pequenos edifícios cuja evacuação é simples, tais como estruturas de pequena área ou de um andar. A Tabela localizada na próxima página resume estas isenções prescritas na NBR 14432.
Apesar de a NBR 14432 ser válida para todo o Brasil, é importante verificar a existência de algum regulamento local específico.

Materiais Utilizados na Proteção Térmica das Estruturas de Aço

A proteção térmica dos elementos estruturais de aço (proteção passiva) é o meio mais comum de se proteger o aço contra o incêndio. Vários são os materiais utilizados com esta finalidade, tais como as argamassas projetadas, tintas intumescentes, mantas cerâmicas ou de lã de rocha basáltica, gesso acartonado e outros.

Materiais Projetados

São produtos econômicos que apresentam bom isolamento térmico às altas temperaturas, mantendo a integridade da estrutura durante a evolução do incêndio.
Estes materiais são aplicados por jateamento e, após sua secagem, trabalham monoliticamente com a estrutura, acompanhando seus movimentos, sem a ocorrência de fissuras ou desprendimento.

Sua durabilidade deverá ser a mesma da estrutura, dispensando manutenção, e não promovendo qualquer tipo de ataque corrosivo ao aço. Não são higroscópicos, tornando desnecessário o uso de tintas de fundo ou outros sistemas de proteção contra a corrosão em estruturas internas. Estruturas externas costumam receber proteção de um primer anticorrosivo e uma ponte de aderência (resina acrilica de base água) com a argamassa, para que não haja o desenvolvimento da corrosão sob a camada passiva.

Argamassa Projetada

São produtos com alto conteúdo de aglomerantes que, quando misturados com água, geram uma massa fluida que pode ser bombeada. São apresentados como produtos de baixa, média ou alta densidade, e são constituídos basicamente de gesso (aproximadamente 80% do peso seco), cimento Portland (em materiais de média e alta densidade), resinas acrílicas e cargas inertes, tais como poliestireno expandido, celulose e preservantes.

Materiais de baixa densidade são aplicados, de modo geral, em obras internas. Materiais de média densidade são utilizados em obras internas com requisitos de certa resistência ao impacto e à umidade. Materiais de alta densidade são utilizados em obras externas onde o risco de impacto é alto, assim como a umidade.

Estes produtos, de modo geral, não necessitam, para sua aplicação, da retirada da carepa de laminação e de alguma ferrugem formada. Antes da projeção, faz-se uma limpeza manual, retirando-se o material solto sobre a superfície.

Para aplicações típicas em interiores, onde o aço será enclausurado em um ambiente controlado, a utilização de um primer é, de modo geral, desnecessária. Exceções são as áreas de alta umidade, como piscinas, lavanderias, cozinhas, etc.. Nestas, é recomendado o uso de primers para a proteção contra a corrosão e, eventualmente, pode ser necessária a adoção de uma ponte de aderência, que consiste de uma base acrílica solúvel em água. Aços não pintados apresentam a melhor condição de aderência dos materiais, dispensando a utilização de elementos de ancoragem, salvo peças de excessiva altura. Nestas, a utilização de algum tipo de ancoragem mecânica pode ser necessária, como por exemplo, a utilização de telas de fixação. As instruções contidas no UL Fire Resistance Directory [13] são apropriadas à escolha do sistema de fixação, quando necessário.

Quando a temperatura ambiente atinge 90oC – 150oC, as ligações químicas existentes no gesso hidratado começam a se romper, liberando água de hidratação. A proteção se dá devido a fatores também relacionados com a massa do produto e seu índice de vazios. Esta reação absorve a energia do fogo, que seria conduzida ao aço. Este processo permite ao aço manter uma temperatura relativamente baixa por 20 a 30 minutos durante a primeira hora crítica do incêndio. A mesma consideração é aplicada para placas de gesso acartonado.

Fibra Projetada

São produtos de baixa e média densidades, contendo basicamente fibras obtidas a partir de rocha basáltica (ou escória de alto-forno) como principal ingrediente. Estas fibras são misturadas com escória de alto-forno (20 a 30% do peso seco total) para criar uma mistura de baixa densidade.
A proteção à base de fibras utiliza as propriedades isolantes da fibra para proteger o aço. Esta mistura é projetada sobre a estrutura.

Argamassa Projetada à Base de Vermiculita

                   

É produto de baixa densidade, composto basicamente de vermiculita expandida, cimento Portland e aglomerados minerais. Este material deve ser completamente isento de amianto, e, para melhorar sua aderência ao aço, costuma ser necessária a utilização de telas.

Placas de Gesso Acartonado

                   

Placas de gesso contendo fibra de vidro, e, em alguns casos, vermiculita incorporada. Assim como a argamassa “cimenticious”, o gesso da placa perde moléculas de água de hidratação durante o aquecimento, mantendo baixa a temperatura do aço. Estes materiais tem, internamente, uma malha de fibra de vidro, que mantém o conjunto esruturado quando exposto às elevadas temperaturas do incêndio. A placa é mantida, de modo geral, visível em estruturas, por motivos estéticos.

Placas de Lã de Rocha

São painéis de baixa densidade, rígidos ou flexíveis, feitos de materiais fibrosos, aglomerados pela adição de resinas termo-endurecíveis.
A matéria-prima básica utilizada na confecção das placas é o basalto. São fixadas com pinos de aço soldados à estrutura metálica.

Mantas Cerâmicas

Produtos formados a partir de fibras silico-aluminosas, presas à estrutura através da utilização de pinos de aço soldados na estrutura.

Enclausuramento em Concreto

Um outro método empregado na proteção do aço é o do enclausuramento do elemento metálico em concreto. Este solução proporciona proteção ao aço frente à corrosão e incêndio ao mesmo tempo. Algum reforço é adicionado ao sistema, na forma de vergalhões, para manter o
concreto no local durante o evento do incêndio. Esta solução tem sido empregada no Japão, mas, devido ao custo mais elevado do que outras formas de proteção, não é muito difundida.

Tintas Intumescentes

     

 

 

São tintas especiais que expandem a partir de 200oC, formando uma espuma rígida que isolam eficientemente os gases quentes gerados no incêndio do aço. Antes da aplicação desta tinta especial, a superfície deverá ser preparada conforme recomendações do fabricante, e um primer compatível deverá ser aplicado. Como esta tinta não apresenta grande resistência química e física, ela deve ser recoberta por uma película acrílica ou poliuretânica, a critério do usuário.

Esta tinta pode ser aplicada a pincel, rolo ou spray (airless), e a aparência final do sistema (primer epoxídico, acrílico ou alquídico, tinta intumescente e tinta de acabamento acrílica ou poliuretânica) é sempre muito boa.
As tintas intumescentes são compostas, de modo geral, de sais de fósforo, de amidos, de melamina e resinas orgânicas.

 

Bibliografia

[1] Engenheiro de Assistência Técnica da Gerência de Desenvolvimento de Perfis Estruturais da Aço Minas Gerais S.A. – AÇOMINAS.
[2] F.C.Rodrigues, C.M.D.Starling, G.F.Bernardes, I Congresso Internacional da Construção Metálica (CICOM), São Paulo, SP, 2001. Contido nos Anais eletrônicos do evento.
[3] Steel Times, September 1993, p. 383.
[4] I .C.Neves. “Segurança contra incêndio em edifícios – Fundamentos”. Instituto Superior Técnico, Depto. de Engenharia Civil (Lisboa), 1994, p. 557.
[5] J.M. Lleonart. Resistencia al Fuego de las Estructuras Metalicas y Caldereria, vol. 2, no. 819, p.13.
[6] R. Chijiiwa et al.. Nippon Steel Tech. Rep., no. 58, p.47 (1993).
[7] Steel Today & Tomorrow, no. 120, Oct-Dec 1992, p. 5.
[8] A.V.Faria et al. Metalurgia e Materiais (ABM), p.196 (1996).
[9] NBR 14323. “Dimensionamento de Estruturas de Aço de Edifícios em Situação de Incêndio – Procedimento”. Rio de Janeiro, 1999.
[10] NBR 14432. “Exigências de Resistência ao Fogo de Elementos Construtivos de Edificações – Procedimentos”. Rio de Janeiro, 2000.
[11] International Standardization for Organization. “Fire-resistance tests – Elements of Building Construction”. ISO 834, Genève, 1994.
[12] Societé Suisse des Ingénieurs et dês Architectes (SAI). “Evaluation du Risque d’Incendie. Méthode de Calcul”. Documentation No. 81, Zurich, 1999.
[13] UL Fire Resistance Directory, vol.1, p.2. Underwriters Laboratory Inc.(2001).

Autor: Fabio Domingos Pannoni, M.Sc., Ph.D. [1]